Destaque:

Estado brasileiro na encruzilhada. Já sabemos o que a Globo quer... e você?

Queria poder dizer que criei esta montagem, mas não... recebi de um seguidor no Facebook, como comentário a um artigo anterior. rs ...

21.11.16

Vol. 2: “Traga sim o amado em 7 dias: mas ninguém pode saber, Ok?”

ESPECIAL CONSCIÊNCIA NEGRA:
RACISMO E HERANÇA AFRICANA


Vol. 2: “Traga sim o amado em 7 dias: mas ninguém pode saber, Ok?”

- Post originalmente publicado em 27/7/2016.

Ou:

O Camdomblé não é anti-establishment. O establishment é que é anti-Candomblé. Isto é: até onde convir à hipocrisia brasileira

Por Romulus

O post de segunda-feira, “ Golpe, dê licença: Santería, Candomblé e Calypso pedem passagem”, possibilitou trocas muito ricas com os leitores. Primeiro aqui no GGN, mas também no Facebook, no twitter e por email.

Trocas de muito valor, que vão desde o acadêmico, com a recomendação de artigo “da maior especialista contemporânea das religiões afro em Cuba”, ao rico relato pessoal de um dos comentaristas mais assíduos aqui do GGN.

Ele é mais conhecido pelo domínio ímpar do mundo das armas (quem será?) que pela sua devoção aos Orixás.

Agradeço e sigo o exemplo de generosidade deles dividindo com os demais leitores aquilo que ofereceram.


*   *   *

“Prazer, sou Professora Doutora na Cátedra 'Macumba Cubana' na Universidade Nova de Lisboa, ora pois” (!)


Pedi, após a publicação do post, a opinião do antropólogo Gabriel Banaggia, cuja tese de doutorado versou justamente sobre a religião de matriz africana praticada pelos quilombolas da Chapada Diamantina (BA).

Sua tese, aliás, resultou no livro abaixo, publicado pela Editora Garamond no ano passado:


Gabriel não “ouviu dizer” nem leu em livros. Sou testemunha, como amigo que sentiu a sua ausência, dos anos passados por ele in loco com os quilombolas.

As conclusões do acadêmico estão no livro...

Mas quais serão as impressões – nada objetivas e totalmente subjetivas por favor – daquele que cresceu em um ambiente evangélico de classe média no Rio de Janeiro e fez uma imersão, literalmente, no mundo dos Orixás?

Quem sabe ele se anima e escreve um post contando para a gente?

Hein, Gabriel?

Enquanto esse post não sai, recomendou a leitura do artigo “Plasticidade e pessoalidade no espiritismo crioulo cubano”, da antropóloga portuguesa Diana Espírito Santo.

As aspas do início do post vêm do Gabriel. Ou seja, segundo o amigo trata-se “da maior especialista contemporânea das religiões afro em Cuba”.

*

E aí chegamos ao relato do nosso “Senhor da Guerra” particular aqui do GGN, junior50.

E faço já um spoiler do final do post:

–Não, ele não é filho de Ogum!

Segue a nossa troca nos comentários ao post de segunda-feira, em que junior50 dá sucessivas aulas:

*

Por junior50
É político, social e antropológico, pois no Candomblé existem as "nações", muito diversas, as quais não necessitam de "território" para continuarem prosperando, que mesmo dispersas há séculos, ainda possuem comunicação familiar, de tronco, pois se chegar em Havana, onde existem vários "terreiros", em Santiago de Cuba estão os melhores, achará correspondência entre eles e os da Bahia e Rio de Janeiro, que cultuam o candomblé da nação de Ketú.

Ou no Maranhão/Piauí, em que certas casas de santo seguem o culto da nação gege, no qual os "orisás" são chamados de "voduns" ou "vodunsis", igual a cerimônias que são praticadas no Haiti, Louisiana e sul da Flórida, as quais os cristãos erroneamente classificam como "bruxaria" ou voodo. Ali poderá conhecer Yemonjá, Ossúm (Oxum), Gum (Ogum), Ossowassy ( Oxóssi ) e os "legbá" (aqui conhecemos como exús - a divindade que nos comunica com os orixás ou os “orisás”).

Já no Recife os terreiros são conhecidos como Xangos, em homenagem a "Sangó", pois na época da colonização açucareira, séculos XVII a XVIII, com o grande afluxo de trafico escravo, era a Xangô/Sangó a que eles pediam justiça.

Já em Cuba e no Caribe o culto principal dos escravos era para Ossumaré (o arco íris), a esperança.

Dandalunda é um dos "nomes" de Yemanjá/Yemonjá, reverenciados por exemplo na foz do Rio Parnaíba, onde os pescadores, por tradição, oferecem água salgada para Oxum-menina, e água doce para Dandalunda (pela tradição uma criança, uma "Janaina"). Fazem isso de forma a alcançar o equilíbrio, pois, ao saírem para o mar, devem prestar tributo. Tanto à água doce, de onde eles zarpam, como para o mar, de onde eles tiram seu sustento.

A Cosmogonia da África Ocidental, e sua influência nas Américas (Brasil, Colômbia, Panamá, Belize, Haiti, Caribe, Sul dos Estados Unidos), é muito abrangente. Tipo um estudo da Torah, o qual nunca terá um fim – e nem vou comentar a influência islâmica sobre o culto dos orisás em Benim e na Nigéria, onde a expansão islâmica utilizou-se dessas divindades tradicionais (animistas) para propagar sua religião, igual ao que a Igreja Católica fez nas Américas.

*

Por Romulus
Obrigado pelo comentário enriquecedor!
Superou em muito a minha expectativa ao convida-lo para ler e comentar o post, inclusive com a correção de que há sim terreiros em Cuba.
Se não for invasão demais, pergunto:
Como vc, aqui a voz dos "homens maus do mercado" (como vc mesmo diz – rs), portanto parte do "establishment" desde sempre, foi parar nesse meio tão anti-establishment?

*

Por junior50
Além da "Santería", semelhante aos candomblés brasileiros, em Cuba, Sul dos Estados Unidos, Rep. Dominicana, Venezuela e Colômbia, subsiste a cultura religiosa africana do "Palo", originária da área da Bacia do Rio Congo, e com uma diferença significativa em relação ao candomblé/voodo, pois não é do tronco linguístico yorubá, mas kikongo.
Sobre o "anti-establishment":

É muito "establishment " a prática e/ou crença nesses rituais, apesar de a maioria da população achar que se trata de "macumba" de periféricos, "gente baixa", "inculta", "pobre", "de cor". Os "espaços de culto" (terreiros) assemelham-se muito à realidade de nossa sociedade, desde alguns incrustados em favelas e/ou "comunidades" paupérrimas, cuja afluência de “filhos” é desse estrato social, até alguns sediados em bairros nobres de São Paulo, como Higienópolis, Jardins e Alto de Pinheiros, que atendem a pessoas de classes B para cima.

Políticos, de todos os partidos, banqueiros, pessoal do "mercado", professores universitários, etc. são facilmente encontrados em alguns "terreiros" de São Paulo e outras capitais.

Já tive um Pai de Santo que foi Secretário da Cultura de um Estado nordestino, outro que é "Comendador", e outro, um grande amigo, infelizmente já falecido, o Pai Doda de Ossayn, que nos anos 90 foi capa da "Veja SP", alcunhado como o "Pai de Santo do PSDB".

Detalhe: mesmo sendo “de mercado”, do "establishment financista”, “explorador dos povos”, “servo do globalismo imperialista”, nestes anos, longos anos, mesmo sem veleidades acadêmicas ou estudos sociológicos, por interesse religioso, de necessidade de crença, constatei que os cultos afro-brasileiros me levaram a conhecer um universo muito interessante de pessoas, muito díspares de origem e formação. Como, por exemplo, ter no mesmo espaço de culto uma "Dora de Oxum", filha de um rabino, moradora de Higienópolis, convivendo com o Roberto (nome ne nascença), que é na realidade da sua opção de gênero "conhecida" como a Andréia de Oxumaré, uma transgênero, "mãe de santo", que tinha um terreiro no Jd. Guarani, periferia da Brasilândia.

Meu filho, a "macumba", aqui na América latina e Caribe, não é apenas uma religião. Posso até estar errado, mas se trata de um ótimo espaço de convivência, onde pessoas despem-se de alguns de seus valores e práticas. E interagem.

*


Por Romulus

Ou:

O Camdomblé não é anti-establishment. O establishment é que é anti-Candomblé. Isto é: até onde convir à hipocrisia brasileira

Tem toda a razão – nessa sua (nova) aula.

(mais uma vez obrigado!)

Expressei-me mal.

Não queria dizer exatamente que as religiões afro são "anti-establishment". Queria, isso sim, dizer que o establishment é que é anti-religiões afro.

Se não de fundo, como você mesmo aponta com os tantos exemplos que dá, ao menos na superfície.

Reina a hipocrisia – característica humana a que a sociedade brasileira elevou a alturas inéditas.

Sim... todos sabemos dos políticos, em especial os da velha guarda, que tinham seus pais de santo particulares. Aqueles a quem sempre consultavam antes de grandes movimentos.

Mas...

– Quão comum é alguém na vida pública, como Sergio Gabrielli, responder, quando perguntado em entrevista, que a sua religião é o Candomblé?

Disse isso numa “páginas amarelas” da Veja, salvo engano.

Arrisco dizer, inclusive, que a pergunta foi lá colocada para lhe denegrir a imagem.

– Denegrir? Ou seria enegrecer?

Mal comparando, como quando Boris Casoy perguntou a FHC se acreditava em Deus na disputa pela prefeitura de SP. Recebeu, em resposta, a negativa do “Príncipe dos Sociólogos”.

A lição da derrota que se seguiu foi bem aprendida por FHC. Em 94 frequentava missas e quase rezava terços diante das câmeras. Tudo devidamente registrado, é claro. Inclusive pela Veja!

Ah, a hipocrisia...

Mas voltando ao Candomblé:

Sim, madame faz trabalho "para trazer o homem amado em 7 dias", todos sabemos.

Mas... em segredo absoluto!

As religiões de matriz afro sempre foram marginalizadas, discriminadas. De início social e racialmente, pelo sua indissociabilidade dos negros e da negritude. Todos, então, ainda por cima pobres e sem educação formal.

Mas, posteriormente, também foram discriminadas politicamente.

Primeiro, ali no Estado Novo, quando Getúlio louva “a dignidade do trabalho” em contraposição aos “vagabundos”, “vadios”, “malandros da Lapa”, “capoeiras” frequentadores das rodas de samba e... dos terreiros!

Aqueles que, como mostrado na Revolta da Vacina e em outras ocasiões na (então) Capital, não eram exatamente inDolentes mas sim inSolentes – na melhor acepção do termo.


Está aí Madame Satã – lenda da “velha Lapa”, no Rio de Janeiro, que não me deixa mentir.

Primeiro ouvi a seu respeito, ainda menino (certamente descuido de papai...), pelo meu avô, que, então jovem na Marinha, saía correndo com seus camaradas da farra na Zona quando alguém soava o alarme de que “chegava Madame Satã”.

Esse, além de “vagabundo”, “malandro da Lapa”, capoeira e “macumbeiro”, ainda por cima era explosivo e “altivo” – não levava desaforo para casa. E, pior de tudo, “veado” e “prostituído”!

Confusão garantida, ora pois.

Madame Satã, sim, anti-establishment – mais do que (“apenas”) marginalizado pelo establishment.

Jovens militares brancos – embriagados, é certo, e na companhia de “damas da noite” – fugirem do negro gay macumbeiro que não levava desaforo para casa?

Quer mais subversão da ordem do que isso?

Mas, ainda na dimensão de marginalização do Candomblé, e não propriamente oposição ao establishment, concordamos que gente de todos os estratos sociais vai lá ao Terreiro se consultar com a mãe de santo.

(já tratamos do segredo dessas visitas aí em cima...)

Mas lembremos de outras características que reforçam a sua marginalização:

– A ausência total de maniqueísmo no seu panteão de deuses – todos ambivalentes e dúbios ("tríbios"? "quadríbios"?... "ENEíbios"?). Quando não contraditórios, como somos todos.

Toleramos deus que não é o bem absoluto? E pior: o “inimigo” que não é o mal absoluto?!

“Cruz-credo!”

– Como tolerar um culto em que seus sacerdotes – muitos negros e/ou mulheres e/ou pobres e/ou gays – até trans, como você aponta! – e/ou sem educação formal – sentam em “tronos” enquanto os devotos – talvez homens brancos heterossexuais ricos com pós-doutorado – sentam-se no chão?

É subversão da ordem (deste mundo) demais!

Sim ou não?

*

Interlúdio

Ligo para a minha mãe para lhe contar do post.

Conversa vai, conversa vem, e ela me conta que as guias de “Yemanyá”, cuidadosamente trazidas e mantidas pelo seu companheiro da sua última viagem a Cuba, romperam-se.

– Ê-ê!!

O “ateu” filho da Orixá zelosamente catou cada uma das missanguinhas no chão.

Antes, recusara-se a falar muito do encontro com essa sua mãe divina na ilha. Mas uma coisa lhe escapou:

– Justamente a reprimenda e a ordem para que “não brincasse tanto com o seu nome”.

– Ê-ê!! (2)

Minha mãe, com pena por causa das guias arrebentadas e do filho estranhado da “mãe”, procurou saber onde haveria um terreiro para que as guias fossem reparadas. Ou para que lhe fossem dadas novas.

Disse-me que é tarefa dificílima encontrar um hoje no Rio de Janeiro.

A esse propósito...

Salvo engano, em algum comentário perdido neste mar do GGN (mar... de Iemanjá?), você comentava que “tinha” um terreiro na Barra da Tijuca.

Confere?

De repente é justamente desse, logo nas margens da praia, de que o “ateu” cubano está carecido.

*

E por que meto esse interlúdio aqui no meio da minha resposta?

Para anotar que os terreiros do Rio de Janeiro – cidade cujo porto foi o que mais recebeu escravos negros no mundo! – sumiram.

Foram dilapidados...

>> “Dilapidar” – do Latim dilapidare, “arruinar, destruir, estragar a pedradas”, de dis-, “em pedaços”, mais lapidare, “atirar pedras”, de lapis, “pedra”. <<
Terá sido à base das mesmas pedras de intolerância que acertaram a cabeça daquela menininha da foto?


Sim, os evangélicos avançam com voracidade nas antigas “hinterlands” (“áreas atendidas”, “áreas de influência”) dos terreiros, todos sabemos.

*

O avanço do fundamentalismo cristão deixa suas marcas na sociedade. Mas também na política, ora não.

Pequena retrospectiva das estelas (pedras?) marcando esse avanço que me vêm à cabeça:

(i) José Serra – o “pastor maluco” da eleição de 2010 – fora anos antes fotografado à distância por fotógrafo da Veja quando, em viagem a Cuba como Ministro da Saúde, tivera um encontro casual com uma mãe de santo nas ruas de Havana – devidamente paramentada de “baiana” – que “lera a sua mão”.

– Hoje José Serra posaria para foto semelhante?

– Hoje a revista Veja publicaria o flagrante?

(ii) Lembremos ainda do malfadado apoio dado pelo casal Garotinho, proeminente entre os Evangélicos, ao Opus Dei Geraldo Alckmin no segundo turno de 2006.

Primeira recomendação de Rosinha Garotinho, então governadora do Rio?

– Sabemos bem como são comícios e campanhas pelo Brasil... mas, pelo amor de Deus (?), não se deixe fotografar tomando banho de pipoca. E nem com baianas amarrando fitinhas nos seus pulsos!

(iii) Mais recentemente, lembremos do episódio em que Fernando Collor – esse sim sempre “bateu cabeça”! – veio a sofrer represálias da Rede Globo pelos intermináveis ataques que fazia à emissora no Senado.

A forma da vingança?

A divulgação no Fantástico, como principal atração da noite, de “entrevista-bomba” com Rosane (ex) Collor, “devidamente convertida ao Evangelho” (Aleluia!), em que ela revelaria os “rituais de magia negra” a que o (ex) marido se submetia.

Relatou, inclusive, “noites dormidas banhado em sangue de boi num porão”.

Oh, que horror!

– “Queima, Jesus!”

– “Está amarrado e repreendido em Seu nome”!

[Nota: não coloco link para a entrevista por ser abjeta. Tanto pela dimensão de vendeta política rasteira (da Globo) – e também pessoal (de Rosane), como por incitar a discriminação e o ódio religioso. Não precisamos de mais do que aquele que já existe.]

*

Epílogo

Sendo indiscreto novamente:

– Quando perguntam a sua religião, como a Veja perguntou a Gabrielli naquelas “páginas amarelas”, o que responde?

– A resposta varia de acordo com o local e com quem pergunta?

– Em caso negativo, a resposta alguma vez já causou constrangimento se dada no meio “inadequado”?

– E para fechar: você, nosso expert da indústria bélica, é filho de Ogum? ;-)

*

Por Junior50
Oyá - inlá - kekere (a "pequena senhora do tempo", já idosa ), que responde por Osá - o - gyan (Oxalá jovem). Já o Gum é "Sóroké", que anda com ele.
Nada é simples.

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Por Romulus
Simplificação é para facilitar explicações, para ensinar.
Para dar as ferramentas com que se poderá começar a compreender, apreciar - e atrair para? - as complexidades.
Vale para tudo.
Ciências e religião.

*

Mas estou falando sério:
Deixa as direções do terreiro da Barra!
O cubano tá carecido.
Imagina se o meu post e as suas respostas levarem ele de novo pro colo da mãe?
Já fica tudo pago.

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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como "uma esquerdista que sabe fazer conta". Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também. 





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