A Escola dos Comuns
Por Sandra Helena de Souza (*)
“O poder de barganha da bancada de deus assombra o governo como um espectro. (...) Mas é bom considerar que, quando a religião institucional triunfa, todos perdem. Exemplos não faltam. É tempo e hora de voltar a exigir o impossível, ampliando os fins, readequando os meios. É preciso não temer os religiosos. É, sim, preciso enfrentá-los no campo democrático, nos debates, nos referendos, nos plebiscitos, nos parlamentos. É hora de ver se o fim, nesse caso, realmente justifica o acovardado meio. Deus? Não temais. Ele não tem nada a ver com isso.”
Assim concluí um artigo neste espaço em fevereiro de 2012. Portanto, não é do governo ilegítimo que falo, ele mesmo uma assombração medonha. Eu me referia à capitulação do governo Dilma diante da fúria ainda envergonhada das potestades religiosas enclavadas no congresso compondo a base aliada e nas assembleias e câmaras municipais, país afora.
Eu gostaria de estar feliz em ter acertado tão funesta previsão. Mas não estou, primeiro porque sou um alvo do ataque coordenado das milícias político-religiosas: o feminino autônomo, a pedagogia crítica, a militância do comum. Mas também porque, se atentarmos bem, não é de fundamentalismo religioso que se trata senão como aparência do processo. O que de fato está em curso é um processo de fundamentalismo econômico que se alimenta, para sufocar qualquer veleidade democrática, das pantominas pastorais, dos gritos, dos louvores e de projetos de silenciamento. Mas como tudo pode ser pior, entre nós o combo vem completo arrastando as viúvas da ditadura, suas marionetes e espantalhos, qual exército de zumbis de GoT sob a etiqueta falsa de “liberais”. É que não haveria como destruir o precário estado social de modo tão célere sem que fossem postos em causa esses artifícios que tanto têm de diversionismo como de ameaça real.
A democracia produz as forças que a ameaçam. Combatê-las é mais difícil porque elas invocam o próprio espírito democrático para se legitimarem. E como aqui não se deu a disputa que o ministro reivindicava, o debate público ganha ares performáticos – a inacreditável enquete que um ministro do STJ propôs sobre intervenção militar, p.ex. - cujo objetivo não é a livre-discussão, mas, sim, o entretenimento “jornalístico” e o escavamento dos “baixos fundos” do imaginário “casa grande-senzala”, a espada de dâmocles que temos encravada na in-consciência nacional.
O País está de volta com aquilo que ele tem de pior. Mas a violência desse retorno tanto fala do acerto das conquistas precárias do curto ciclo democrático quanto dos obstáculos que, por intransponíveis que pareçam, devem ser enfrentados com vigor estratégico e fortes convicções democráticas. Tudo ao mesmo tempo.
Em tempo: não há “escola sem partido”. Há intenção de criminalizar professores e planos político-pedagógicos orientados pelo ideário do humanismo iluminista.
Confesso que essa batalha me agrada por demais. Que ladrem os cães. Vamos?
(*) Professora de Filosofia da Unifor; membro do Instituto Latino Americano de Estudos em Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)
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