A crise em que nos metemos desde a eleição de Dilma Rousseff para o segundo mandato faz parte de um processo complexo e, infelizmente, de longo prazo.
As dificuldades que estamos vivendo não derivam simplesmente dos inegáveis erros do governo Dilma e das irresponsabilidades de uma oposição que não aceitou as regras do jogo democrático. Os problemas que vivemos hoje fazem parte da nossa tradição política nada democrática.
O processo de ruptura imposta ao modelo democrático, através do impeachment e consequente alternância no Poder por vias não eleitorais, infelizmente é a regra e não a exceção desde que o Brasil se tornou um país independente, mas neste caso de ruptura institucional em particular percebesse que não se pode, classicamente, classifica-lo como um Golpe contra a Democracia, porque se trata de algo mais complexo.
Analisando mais detidamente todo este processo percebemos que os atores políticos diretamente empenhados em reduzir o mandato da Presidente e indiretamente inviabilizar uma nova candidatura de Lula em 2018 e a continuidade da gestão petista com a ascensão de Michel Temer e as forças derrotadas na eleição de 2014 estão fazendo algo diferente e mais complexo do que um puro e simples atentado à democracia.
Embora esses atores políticos talvez não percebam ao patrocinarem este movimento de ruptura não foi propriamente a democracia que colocaram em risco. Na verdade, todo esse processo colocou em risco todo o modelo de representatividade política que adotamos há mais de 200 anos.
Ao negar a legitimidade do processo eleitoral e as regras acordadas eles propuseram, de maneira quase irresponsável, a substituição da representativa política com suas regras definidas, sobretudo por mandatos bem definidos e diretos constitucionalmente assegurados, pela tentativa de imposição de uma forma de democracia direta e auto delegada.
Por trás do direto legítimo às manifestações populares inspirados por palavras de ordem como “abaixo a corrupção” ou “em defesa da democracia” há o esvaziamento perigoso das funções, também legítimas, do Parlamento e dos mecanismos legitimados de representação popular.
Como disse o professor Gabriel Cohn: "as ruas não substituem as urnas e o insulto não substitui o argumento". O exercício democrático e necessário da oposição não pode ser substituído pela atitude irresponsável e criminosa de “não vamos deixar governar”. Assim como a resistência ou o apoio a um governo não pode se radicalizar com fins eleitorais, imediatos ou futuros. Há uma trilha, um caminho muito estreito entre um e outro que deve ser perseguido.
Mesmo acreditando que o modelo político institucional não corre risco, não porque há uma falta patente de modelo mais eficiente, não porque o modelo de representação direta e auto delegada pleiteado pelos adeptos da substituição das urnas pelas ruas é inviável em sociedades tão complexas e heterogêneas como a nossa, mas sobretudo porque o sistema de freios e contrapesos tornou-se, ao longo do tempo, dinâmico o suficiente para absorver pressões de todas as origens, inclusive das ruas.
O movimento pela democracia direta com ênfase na pressão social em substituição das instituições formalmente constituídas tem origem no modelo de gestão de políticas públicas, no desenho de modelo de Estado e no formato de representação política trazidos pela Constituição de 1988.
De modo geral, com as grandes questões constitucionais, bem encaminhadas pelo modelo formal de representação coube aos atores sociais sub representados a busca por “questões de varejo e condominiais” para aumentar seu espaço na agenda política.
Esta sociedade, sobretudo a parte representada pela classe média urbana não percebe o alcance das macro políticas públicas por focalizar sua atenção nas “questões de varejo e condominiais” fazendo com que recursos importantes, políticos ou financeiros, sejam direcionados para questões de curto prazo e de pouca ou nenhuma relevância para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e inclusiva que possibilite uma real ascensão social e redução de desigualdades historicamente construídas.
Os direitos em expansão e os avanços na base da sociedade estão, equivocadamente, sendo vistos como perda de direitos e conquistas das classes mais abastadas. Na verdade, somente com essa expansão de direitos e avanços econômicos e sociais nas classes mais populares pode se garantir que toda a sociedade se mantenha minimamente segura e equilibrada, sem isso, é estimular ainda mais a luta de classes, a divisão política, segregação social e a ruptura.
Cada vez mais torna-se necessário garantir a democracia representativa como único mecanismo capaz de viabilizar a expansão da capacidade de universalizar direitos e demandas.
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