Sobre a USP (e o USPianismo), o que é, e o que não éPor Piero Leirner
(Doutor em Antropologia pela USP (2001), Professor na UFSCar)
Sim, fiz USP, mas não vou lá há 17 anos. Não sou chamado para rigorosamente nada lá (a última banca que participei foi um mestrado de um sujeito que hoje é quase professor titular). Tenho muitos amigos lá e de lá, mas também por ali há muita gente pela qual não tenho empatia alguma. Digo isso para dizer que não é comigo essa história.
Romulus começou, com toda razão, a nos chamar a atenção sobre essas “movimentações estranhas” do Haddad. E tem uma coisa que ele sinaliza nos posts e no programa que é o USPianismo deste, e de outros, pensando que a absurda “coalizão dos limpinhos” tem como caução um, digamos com Bourdieu, “gosto de classe e estilo de vida” decorrente em grande parte do fato dessas pessoas serem desta coterie. Chamemos isso de “Tese Jessé” (de Souza), já que foi esse sujeito que primeiro escreveu sobre o tema da USP e sua trama para manter o status quo no Brasil (…”os vínculos institucionais da dominação simbólica que mantém a sociedade brasileira, inclusive sua esquerda, colonizada e dominada pelo discurso de seu inimigo. Que a USP participou de modo constitutivo nessa trama e foi criada para isso acho que o livro não deixa lugar a dúvida…”, diz ele).
Que poder, certo? Então vamos esclarecer que não é exatamente à USP que Jessé e Romulus dizem, e se dizem é bom esclarecer. Acho que se trata mais da FFLCH-USP; é de lá que saem os algozes do Jessé, mais especificamente da Sociologia; e FHC; e supostamente Haddad, professor do DCP/FFLCH. Este último, objeto das críticas e análises aqui dos “amigos”, é bacharel em direito-USP, mestre em economia-USP e doutor em filosofia-USP. Depois fez carreira lá. Há muita diferença entre o Direito e a FFLCH. O Largo de São Francisco é quase uma entidade autônoma, se vê muito mais como “Largo” que como “USP”. Foi lá que Haddad começou sua carreira política, no Centro Acadêmico, depois movimento estudantil.
Politicamente, o Direito tem mais relevância na sua biografia do que a Filosofia. Portanto acho que aqui há um primeiro problema: Haddad é mais filho do direito do que da USP. Mas ser Direito-USP não é mero detalhe também. Seu campo de forças é o do direito tradicionalzão, mais ou menos na mesma forma e intensidade do que se segue nas grandes Faculdades de Medicina, USP inclusa. São “seculares”, e nos seus campos profissionais podem ser vistas associadas a um forte corporativismo, culto às tradições, força política e uma certa endogenia, provocada por alianças de casamento e parentesco.
Acho que é o caso de dizer, então, que a USP tem muita coisa lá dentro. Se tem Haddad, tem Boulos. Se tem FHC, tem Florestan. E pobre USP. Posso garantir que se ela não fosse dominada pelo vértice tucano que ocupou a Poli, Medicina e Direito, ela talvez não estivesse entre as “500” daqueles rankings idiotas. Talvez estivesse entre as 50. Saibam que hoje, mesmo após a máquina de achatar salários que a Dilma acionou em relação à docência federal (Pátria Educadora…rá), um professor desta ainda ganha mais que um da USP.
Mas é claro, nada disso entra no nó da questão. Este está no fato, já constatado aqui e no “Duplo Expresso”, de que um USPiano não tem condições de “falar para o povo”. Nem Haddad, nem nenhum white collar da USP tem um discurso potente suficiente para ecoar além de Pinheiros. É verdade. Nem na USP, nem em lugar nenhum. Nem no PT. Nem no MST. Nem na CUT. Só há no campo oposto: na imprensa reacionária e no campo que difusamente podemos chamar de “militarista”. Curiosamente a sede desses dois sub-impérios é no Rio de Janeiro. E curiosamente esse outro campo, o “juristocrático”, parece ter deslocado sua sede de SP para o Sul.
Chego então ao ponto que queria. A impossibilidade de união. Pensando o parágrafo acima, para mim fica mais ou menos claro que o que podemos chamar de “campo popular” hoje tem TODA sua capilaridade concentrada em um único personagem, que é Lula. O PT não tem outros quadros que produzam discursos de atração, agremiação e agenciamento político do povo. A direita percebeu isso melhor que o PT, e armou esse golpe faz tempo. Vamos ver o que o magnetismo de Lula pode fazer.
É sempre bom lembrar que Maduro é muito mais limitado que Chavez; mas é isso: o campo popular e Lula são um só, e enquanto Lula estiver vivo nesta chave não creio haver muito espaço para outro aparecer. Tudo que nos resta, assim, é o pavor que as elites têm de ver o campo popular virando a mesa. Por isso, tô com Romulus e não abro, é hora de dobrar a aposta e quebrar a banca. Não tem recuo, porque o outro campo não quer saber de dividir as fichas.
De outro lado, o campo burguês (não achei palavra melhor, mas acho que é isso mesmo), este tem 3 forças estatais que fazem a “linha de contato” na batalha com o campo popular (claro, o burguês itself está sempre recuado, no comando, é invisível). Diria que são as duas acima, o Jurídico e as Forças Armadas (isto é, os subsistemas do aparelho repressivo-punitivo), + a imprensa burguesa (que hoje, mais que nunca, poderíamos ver como um “aparelho ideológico de Estado”, como diria o Althusser).
Notem bem que nas forças do Estado os dois primeiros são aparelhos permanentes, e estão plenamente vertidos à causa de um Estado a-nacional. E de fato nem um nem outro têm grandes inclinações às causas populares. Tenho a péssima impressão que aqui é jogo perdido, mas é só uma sensação, especialmente em relação às FFAA. Notem que bastaria uma, mas uma única palavra do comandante do Exército, dizendo que a Justiça passou dos limites, que talvez todo jogo começasse a virar mais fácil.
Há ainda dois outros setores do aparelho estatal que fogem à regra. A diplomacia e a Ciência. A primeira é uma incógnita, para mim pelo menos. A julgar pelo rancor do Mathias Spektor, diria que os diplomatas em geral jogam no nosso campo. O outro é o campo científico, ou trocando em miúdos, a Universidade pública. Aí posso falar com alguma experiência, e volto ao começo, para terminar. É bem possível que retirando os campos do Direito e da Medicina temos aqui um lugar ainda algo amigável, ainda que limitado. O outro campo amigável é o que sobrou da imprensa, isso que fazemos aqui mesmo. Diria que na falta de definição melhor, todos nos tornamos aqui, em alguma medida, “imprensa alternativa”. E, como sabemos, nenhum de nós aqui consegue sair do nosso próprio depósito. Somos, assim, tão “limpinhos” quanto o Haddad. E transferimos toda nossa energia para que Lula faça o trabalho que nós não conseguimos fazer. Nem Haddad, nem nós, precisamos criar diversionismo. A USP não é a inimiga. Volto assim aos parâmetros da guerra híbrida e às bombas semióticas. Nosso serviço na tática, agora, é o ataque à imprensa burguesa e aos setores reacionários da Universidade, além dos óbvios (1) ala punitivista do direito + (2) o setor entreguista das Forças Armadas.
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