“Diretas já”: é preciso restabelecer a vigência plena da Constituição, com Governo e Parlamento relegitimados pelas urnas
Por Giselle Mathias & Romulus
Democracia é governo do povo, pelo povo e para o povo.
Abraham Lincoln
Abraham Lincoln
As esquerdas continuam partidas e reativas. Ainda não perceberam que precisam agir, sair das cordas e tomar as rédeas de seu processo político.
A discussão hoje gira em torno de lutarmos por “Diretas Já” ou continuarmos a luta pelo “volta Dilma”. Cremos que as duas posições são legítimas e defensáveis, mas sejamos francos: levamos um golpe, terrível e assustador por ter sido anunciado. Nada do que foi feito travou-o. O livro “Crônica de uma Morte Anunciada”, de Gabriel Garcia Márquez, foi a tônica desse processo insano pelo qual passamos em nosso país. Víamos os acontecimentos, sabíamos de seus resultados, mas não éramos ouvidos. E, assim, os criminosos avançavam sem nenhum pudor até consolidação do golpe jurídico-político-midiático-parlamentar.
Trazemos para a abertura do debate uma questão que entendemos ser importante sobre a possibilidade das Diretas Já, pois a proposta seria a de um Plebiscito para consulta popular sobre eleições para o Legislativo e o Executivo (só não colocamos o Judiciário porque não temos essa opção constitucional), com o fim de concluir o atual mandato para a Presidência da República, bem como para a legislatura eleita em 2014. Ou, alternativamente, a antecipação das eleições gerais, atualmente previstas para 2018.
Por que tomaríamos essa medida de exigir Diretas Já não só para o Executivo, mas também para o Legislativo? A razão é a total ausência de representatividade democrática no país após a destituição da Presidenta Dilma Rousseff.
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(i) Executivo
No Presidencialismo há separação rígida entre Executivo e Legislativo. Como a separação entre os Poderes é cláusula pétrea, apenas uma nova constituinte poderia mudá-la. Contudo, a maré política adversa levou a “pedaladas jurídicas” em sequência, como todos sabemos. Como diz o ditado anglo-saxão bad facts make bad law. Ou seja, a realidade política “ruim” no Brasil resultou na produção de um direito também “ruim”, bem como de uma institucionalidade (de facto) “ruim”.
A Ciência Política ensina que a versão final de uma Constituição é uma barganha. Resultado de concessões recíprocas, num contexto de correlação de forças, entre os diversos grupos ali representados para chegar a um consenso mínimo. A “síntese da sociedade”.
Com a "pedalada constitucional” da deposição da Presidenta eleita diretamente por sufrágio universal (e em dois turnos!), uma maioria parlamentar eventual logrou eliminar parte fundamental da barganha que todos aceitaram em 88: o voto majoritário e direto para Presidente (chefe do Executivo, além de chefe do Estado), para contrabalançar o Congresso.
Uma coisa não se confunde com a outra. Note-se, por exemplo, que o Presidente atua sob um escrutínio da imprensa e do povo muito maior se comparado ao Parlamento. Até mesmo por ser esse último um colegiado, com membros contados às centenas. Assim, muito fácil diluir a pressão e/ou impopularidade de medidas eventualmente adotadas.
A maior exposição já começa inclusive antes da posse. Na nossa democracia incipiente (e agora cambaleante), o que mais se aproxima de uma discussão programática é aquela que se dá entre os candidatos durante os longos meses de campanha presidencial. A regra é que cada candidato formule um programa de governo abrangente e explicite o mesmo amplamente:
– Na propaganda eleitoral;
– Em debates com os demais candidatos; e
– Em encontros com eleitores e grupos de interesse – aí incluídas as mídias hegemônica e alternativa.
– Em debates com os demais candidatos; e
– Em encontros com eleitores e grupos de interesse – aí incluídas as mídias hegemônica e alternativa.
A eleição em dois turnos garante que o programa vencedor terá a chancela da maioria do colégio eleitoral brasileiro.
Ora, a complexidade e o caráter holístico e transversal de um programa de governo presidencial nem de longe se aproxima das pautas – em sua maioria monotemáticas – dos milhares de candidatos a deputado federal e senador. Pautas essas apenas mencionadas en passant em poucos segundos na TV. Sequer são debatidas!
Assim, retornando à proposição feita acima, o voto majoritário e direto para Presidente é parte fundamental da barganha que todos aceitaram em 88, justamente para contrabalançar um Congresso (cada vez mais) fragmentado e composto por uma coleção de interesses difusos.
Uma coisa não se confunde com a outra. E uma coisa não pode, definitivamente, substituir a outra. Seja pelo prisma da Constituição, da legitimidade ou da representatividade democrática.
Não obstante, o que há hoje é justamente essa “substituição” inconstitucional, ilegítima e antidemocrática.
Vivemos, no presente, não o Presidencialismo constitucionalmente previsto em 88, com a tal separação rígida entre Executivo e Legislativo. Em seu lugar há o que o jornalista Luís Nassif batizou de “Presidencialismo condominial”, em que, a exemplo de um condomínio residencial, o conjunto dos condôminos elege o síndico. É neles que reside sua base de sustentação – precaríssima. Passando da metáfora à realidade, Michel Temer é (apenas) “síndico”, escolhido em eleição indireta, pelos parlamentares – seus (co-) “condôminos”.
A precariedade jurídico-política da maneira com que ascendeu e permanece no poder coloca o “síndico” em situação de fragilidade inédita em nossa experiência constitucional. Não por acaso o nível de chantagens a que está submetido é também inédito. Seja por parte do Parlamento; seja por parte do “mercado” e a sua voz, o oligopólio midiático; seja por parte da “casta jurídica” (apud Miguel do Rosário): Polícias, Ministério Público e Judiciário.
Como falar ainda em “freios e contrapesos” diante disso?!
O resultado objetivamente aferido? A escandalosa inflação do rombo orçamentário de 98 para 170 bilhões de reais pelo governo usurpador. A diferença – nada mais nada menos que 70 bilhões! – é, “apenas”, o preço pago pelo síndico a:
(a) “condôminos”, via emendas, cargos e outras benesses;
(b) à “casta jurídica”, via aumento de salários e benefícios; e
(c) ao mercado, via política econômica de mãe para filho: juro alto, teto para gasto público não-financeiro fixo por 20 anos (!) e valorização do câmbio.
(b) à “casta jurídica”, via aumento de salários e benefícios; e
(c) ao mercado, via política econômica de mãe para filho: juro alto, teto para gasto público não-financeiro fixo por 20 anos (!) e valorização do câmbio.
Note-se: o aumento de gastos contemplou apenas lobbies dentro e fora da máquina pública com interesses organizados e homogêneos. Para o conjunto da sociedade e seus interesses difusos, o contrário: arrocho fiscal, com a imposição de um teto de gastos (não financeiros!) congelados por, “apenas”, 20 anos.
Em suma, a Constituição de 88 não previu “Presidente a título precário”, refém de chantagens e, apenas, “síndico de um condomínio” de lobbies de grupos coesos e organizados. A disciplina constitucional para a chefia do Executivo federal deve ser restaurada o quanto antes. Se não pelos ideais maiores da legalidade, da legitimidade e da democracia, que seja apenas pela responsabilidade fiscal e social!
A via?
Eleições diretas para o cargo ilegitimamente ocupado por Michel Temer a título precaríssimo desde o afastamento da Presidenta eleita, Dilma Rousseff.
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(ii) Legislativo
Apreende-se da apresentação do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa Federal que:
A própria complexidade da sociedade moderna inviabiliza o que se poderia chamar de democracia direta, isto é, a participação de todo e qualquer cidadão nas decisões de caráter nacional, sem a intermediação de representantes.
(...)
É o Parlamento que torna possível a representação política da sociedade, refletindo suas opiniões e os sentimentos do cidadão. É o parlamentar que dá voz à comunidade e transforma os anseios populares em ação política.
Mas, para que o Parlamento funcione como um verdadeiro canal de participação popular no processo democrático, é necessário, sobretudo, que ele goze de credibilidade enquanto instituição representativa do cidadão. Se não há democracia sem representação, tampouco há representação sem credibilidade.
O próprio conceito de democracia representativa encerra uma forte conotação ética. Na medida em que cidadãos comuns elegem representantes e lhes concedem poderes amplos para deliberar sobre assuntos que afetam o bem-estar de todos, tal representação enseja uma responsabilidade singular.
O representante deve, para tornar efetivo seu mandato, privilegiar, em suas decisões, a busca do bem comum evitando o interesse privado e a exploração do cargo para usufruir de privilégios. Esse é pressuposto da democracia representativa e da ação política ética.
(...)
É o Parlamento que torna possível a representação política da sociedade, refletindo suas opiniões e os sentimentos do cidadão. É o parlamentar que dá voz à comunidade e transforma os anseios populares em ação política.
Mas, para que o Parlamento funcione como um verdadeiro canal de participação popular no processo democrático, é necessário, sobretudo, que ele goze de credibilidade enquanto instituição representativa do cidadão. Se não há democracia sem representação, tampouco há representação sem credibilidade.
O próprio conceito de democracia representativa encerra uma forte conotação ética. Na medida em que cidadãos comuns elegem representantes e lhes concedem poderes amplos para deliberar sobre assuntos que afetam o bem-estar de todos, tal representação enseja uma responsabilidade singular.
O representante deve, para tornar efetivo seu mandato, privilegiar, em suas decisões, a busca do bem comum evitando o interesse privado e a exploração do cargo para usufruir de privilégios. Esse é pressuposto da democracia representativa e da ação política ética.
Há provas e convicções cabais de que as mais recentes medidas aprovadas no Congresso Nacional, bem como todo o período de paralisia e de oposição irresponsável ao governo central (com o objetivo de inviabilizar qualquer medida saneadora e de conserto da política econômica nacional) foram a demonstração inequívoca de que esta legislatura incorreu na violação do artigo 3o, incisos I e IV, do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa Federal:
Art. 3o – São deveres fundamentais do Deputado:
I – promover a defesa do interesse Público e da soberania nacional;
II – (...);
III – (...);
IV –exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé, zelo e probidade.
I – promover a defesa do interesse Público e da soberania nacional;
II – (...);
III – (...);
IV –exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé, zelo e probidade.
Assim como o Senado, que ao se omitir e também apoiar a política oposicionista irresponsável de impedimento e obstaculização ao governo eleito, com fim de impossibilitar a recuperação econômica e, consequentemente, a popularidade do governo, com vistas à eleição de 2018, violou no seu conjunto de Senadores, o artigo 2o, incisos I e II, do Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal que, determina similares deveres.
O povo brasileiro vem, desde 2003, rejeitando nas urnas os projetos neoliberais e privatistas que pretendem se impor ao país neste momento, o que deixa mais evidente a violação ao contrato firmado nas urnas entre os parlamentares e os eleitores.
Após a deposição da Presidenta Dilma Vana Rousseff, em evidente quebra de confiança representativa, os parlamentares que se beneficiaram privativamente de sua deposição tentam impor ao país uma agenda governamental derrotada nas urnas há 14 anos. E novamente há 10, 6 e 2 anos.
Quando há ruptura no regular exercício da representação, quebram-se seus preceitos e evidencia-se que os interesses privados dos representantes se sobrepõem à vontade soberana de seus representados, com o desrespeito às regras do Estado Democrático de Direito.
Diante desta situação, em que o contrato de representatividade, formalizado pela eleição do representante, é descumprido, este deve ser imediatamente desfeito, sob o risco de tornarmo-nos um Estado autoritário e de trazer riscos incalculáveis à soberania e segurança da nação e de seu povo.
É preciso demonstrar à população que tanto este governo quanto o atual Parlamento, que quebraram o contrato de representatividade com seus eleitores, não possuem legitimidade para proposição e aprovação de qualquer medida advinda de interesses diversos daqueles dos representados, sob pena de nulidade absoluta de seus atos em razão da violação do princípio constitutivo da República Federativa do Brasil, de sua fundação e base estruturante, o Estado Democrático de Direito. Certamente os contratos e leis do período atual serão duramente questionados e revisados pelo próximo governo popular democraticamente eleito.
Assim, em apertada síntese do exposto, entendemos que somente eleições diretas e gerais, para o Executivo e para o Legislativo, podem restabelecer o Estado Democrático de Direito. Isso porque apenas com a expressão soberana do povo brasileiro haverá novamente legitimidade governamental e parlamentar – e mesmo constitucional – para a produção das mudanças necessárias à recuperação da economia do país e, sobretudo, desejadas pelo verdadeiro colégio eleitoral constitucional: a cidadania brasileira.
Concluímos retomando nossa epígrafe:
Democracia é governo do povo, pelo povo e para o povo.
Abraham Lincoln
Abraham Lincoln
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Os autores reconhecem que diversas outras mãos – de múltiplas disciplinas – se somaram às suas na escrita e na revisão deste artigo, algumas mais seniores, inclusive. Contudo, dada a triste quadra histórica por que passa o Brasil, suas contribuições restarão anônimas. Mas não ignoradas. Em seu lugar – mas também em seu nome – assinam o artigo dois advogados sim aguerridos, como também o são os demais, mas que podem contar com a retaguarda da dupla-nacionalidade, da proteção consular e de familiares no estrangeiro. Seus pensamentos ao concluir o artigo estão com todos os outros milhões de irmãos brasileiros que não têm a mesma sorte.
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Publicado originalmente em 4/10/2016, no dia seguinte ao primeiro turno das eleições municipais.
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Adendo 27/11/2016:
“Nova” (?) conjuntura - o “golpe no golpe”
Hoje, 27 de novembro, já observamos o assanhamento do CONSÓRCIO “Casta Jurídica” do Estado (Judiciário/MP/Polícias) / cartel midiático ("cavalo", ou proxy, do...) / "Mercado"/ e (por sua vez, o "cavalo" político do Consórcio, o...) PSDB.
Ensaiam - ainda neste final de 2016 - os movimentos para o “golpe no golpe”.
Ou seja:
- O golpe - desse Consórcio - no golpe dado pela classe política em Dilma Rousseff.
O Consórcio se impacienta. A PEC 55, “do fim do mundo”, ainda não foi entregue pelo PMDB, como avençado...
O consórcio demonstra ter então já fixado o prazo de validade para (esses!) intermediários.
Isto é: em algum lugar entre o fato e blefe do pôquer.
Notem:
Do núcleo original do “golpe político” já caíram Jucá (esse já “reabilitado”: líder do governo no Congresso!), Eduardo Cunha (preso) e, nesta semana, Geddel Vieira Lima (exonerado apenas).
(O cartunista Aroeira gentilmente permitiu a republicação da sua charge)
O próximo da fila, todos sabem, é Wellington Moreira Franco.
Restam apenas, em cima da corda bamba e sempre com a “Espada de Dâmocles” do Consórcio sobre suas cabeças, Temer e Eliseu Padilha.
Nesta semana, já observamos os primeiros “arranhões” dados com a tal da Espada de Dâmocles:
(1) Marcelo Calero – o “Cavalo de Tróia” do PSDB para Temer.
(2) A exacerbação - aguda - do achincalhe da classe política pelo cartel midiático diante da turba.
Apenas para força-los a não anistiar o “caixa 2”. E, sem isso, serem incapazes de arrebentar o garrote que o Consórcio tem em torno dos seus pescoços.
(3) As jogadas com a delação da Odebrecht.
“Adiada”, de forma a permitir a inclusão – ou a exclusão! – de qualquer nome da política nacional. A depender, evidentemente, da postura diante do Consórcio: rebeldia ou servilismo.
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Mas...
Como costumo repetir nos meus posts (tome nota, Consórcio!):
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Como não somos otários, termino o adendo ao artigo escrito em parceria com Giselle (e outros) repetindo:
<<Diretas já!>>
E acrescentando:
- Viva a soberania popular!
- Abaixo o Consórcio que a cassa!
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Todos os temas da conjuntura política e do “golpe no golpe”, mencionados en passant neste “Adendo”, são detalhados em artigos específicos no blog de Romulus (www.romulusbr.com), de onde essas referências foram tiradas.
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(iv) E também no GGN, onde os posts são republicados:
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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como "uma esquerdista que sabe fazer conta". Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também.
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(iv) E também no GGN, onde os posts são republicados:
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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como "uma esquerdista que sabe fazer conta". Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também.
Esta é a única saída. A hora é agora, não dá mais para esperar! Espero que esse artigo tenha o máximo de repercussão porque não dá mais para continuar nesse clima que já dura demais e faz mal não só à Nação, mas a cada um de nós pessoalmente que acompanha essa tragédia e se angustia com a falta de pudor de todos os responsáveis por ela. Muito bem!
ResponderExcluirMais do que nunca precisamos pedir a Diretas Já, não q esses bandidos a façam, mas precisamos mostrar que eles não têm legitimidade.
ResponderExcluirisso aí, sócia!
ExcluirDiretas já!
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